Crônicas

1 - POLÍTICA NA NET

Creio ser unânime a constatação de que os sistemas de informação e principalmente a internet e as redes sociais interferem de maneira significativa no modo de viver da atualidade. Hoje, são poucos os que abrem mão desses mecanismos de comunicação e interação seja no âmbito da vida pessoal, ou nas relações profissionais.
As redes sociais têm sido usadas com uma infinidade de objetivos: desde vender calcinhas, passando por encontrar namorados, divulgar seitas e crenças religiosas e muitas outras coisas. Sinceramente não vejo porque não devamos compartilhar nosso pensamento a respeito de política e da idéia que fazemos dos candidatos. Afinal, como disse o poeta:
O pior analfabeto é o analfabeto político. Ele não ouve, não fala, nem participa dos acontecimentos políticos. Ele não sabe que  o custo de vida, o preço do feijão, do peixe, da farinha, do aluguel, do sapato e do remédio dependem das decisões políticas. O analfabeto político é tão burro que se orgulha e estufa o peito dizendo que odeia a política. Não sabe o imbecil que, da sua ignorância política, nasce a prostituta, o menor abandonado, e o pior de todos os bandidos, que é o político vigarista, pilantra, corrupto e lacaio das empresas nacionais e multinacionais.” (Bertolt Brecht. Disponível em: http://pensador.uol.com.br/autor/bertolt_brecht/ ).
Como eu mesma, até bem pouco tempo atrás, era uma verdadeira analfabeta política, - e, em alguns aspectos continuo sendo - , apesar do convívio com pessoas altamente participativas e verdadeiramente politizadas, não me constrange falar sobre o assunto. Cada vez mais tenho descoberto o quanto é importante o que disse Brecht: somos nós com a nossa omissão e preguiça de discutir temas sérios, que colaboramos para que políticos mal intencionados ocupem o poder. E quanto mais os cidadãos de bem se eximirem de discutir política e participar do debate e da construção de idéias em torno da gestão pública, mais os corruptos, os mal intencionados e os despreparados ocuparão os postos de comando do país. No âmbito municipal isso é ainda mais contundente, pois é no município que vivemos e onde precisamos usufruir dos serviços fundamentais à nossa sobrevivência. Portanto a participação nas eleições deste ano é fundamental.
Quanto àqueles que preferirem continuar se omitindo, existe o recurso de bloquear informações, quando estas não agradam. No entanto, eles não podem impedir que o debate em torno de idéias e contribuições para o aperfeiçoamento da política continue e seja cada vez mais vigoroso. 


2 -CORAGEM DE TER MEDO 

”Quem me dera ouvir de alguém a voz humana
Que confessasse não um pecado, mas uma infâmia;
Que contasse, não uma violência, mas uma cobardia!

Arre, estou farto de semideuses!
Onde é que há gente no mundo?”

(FERNANDO PESSOA, como ÁLVARO DE CAMPOS, em: Poema em Linha Reta) 

Lemos, ouvimos e somos bombardeados a todos os momentos com uma louvação à coragem. Ta na moda ser corajoso, ou pelo menos dizer que se é, ou ainda, receitar aos outros que o sejam. Do raso de minha covardia, confesso:
- Tenho medo.
De elevador, de anestesia geral, de avião. Estes são apenas os mais incômodos. Tenho outros que não me lembro agora e vivo descobrindo medos novos a cada dia.   Recentemente me vi apavorada com a orientação de meu médico para fazer uma endoscopia. Só de pensar na possibilidade de ter uma câmera bisbilhotando meus avessos, entrei em pânico. Se pela direita já não sou tão apresentável, imagina pelas entranhas.
Verdade que medos nos causam alguns incômodos. O pior deles é explicar aos outros, aquilo que não tem explicação: por que você tem medo de avião, se está comprovado que é o meio de transporte mais seguro? Esquecidos de que nossos medos não seguem qualquer preceitos de racionalidade, vivem a tentar nos convencer de que somos bobos por ter medo disso ou daquilo.
Existem os medos que são socialmente mais aceitáveis. Por exemplo, é raro alguém se admirar porque uma mulher tem medo de barata. Como se isso fosse o normal. Pois de barata eu não tenho medo algum. Sou capaz de pisar nas que me aparecem e o estalo que seu corpo arrebentado provoca,  não me apavora.
Também não tenho medo de dentista, nem o barulho do motor me provoca arrepios nervosos  em muita gente corajosa. No entanto, tenho medo, ou melhor, fobia,  de elevador. Como vivo numa cidade cujos maiores edifícios têm em torno de dez andares, isso não é problema, pois subo as escadas numa boa. Não é o medo de elevador que me incomoda. O enjoado é explicar para o amigo que está indo com você porque que prefere ir pelas escadas. Incomoda mais ter que ficar justificando do que subi-las.
Desconfio que muitos corajosos de discurso têm seus medos secretos. Tem gente que não tem medo de avião, mas que não consegue dirigir um automóvel. Quantos têm coragem de admitir, diante da enorme pressão por passar uma imagem de destemido? 


3 - QUANDO NOSSOS FILHOS SAEM DE CASA

Há poucos dias tínhamos 20 anos e saímos de casa. Era a década de oitenta. O mundo lá fora nos acenava com possibilidades que nossos pais sequer cogitaram. Agora que chegou a nossa vez, devíamos estar preparados, pois o discurso estava na ponta da língua: criamos nossos filhos para o mundo. Então esse friozinho na barriga, que aparece quando um de nossos filhos confirma que vai embora é neurose só minha? Coração pequeno, garganta apertada, penso em quantos amigos já me relataram suas angústias e não dei importância. Agora que chegou a minha vez, “deito tudo por terra”. Meu discurso racional, moderninho, de mãe emancipada, de repente sumiu. Penso no quanto o mundo longe de casa pode ser cruel e tento minimizar minhas angústias de quando passei por isso. Só me vem à cabeça que mundo era menos hostil. Não era preciso ter dois fiadores proprietários de imóveis no local, para alugar uma simples kitnet. Muito menos se falava em cheque caução com 12 meses de adiantamento de aluguel. Taxas de condomínio e IPTU não eram mencionadas nas negociações. Os proprietários não moravam em Miami e nos atendiam, eles mesmos em sua casa, que geralmente ficava próxima do apartamentozinho que iam nos alugar. Agora, acompanhando a minha filha nessa via crucis, deparo com a frieza de um agente imobiliário, que não me olha nos olhos, estende a mão com uma penca de chaves dizendo apenas: tem esse apartamento lá no “calcanhar do Judas”. Deixe aqui seu documento de identidade. Devolva as chaves até as dezoito horas. Não quer nem sabe se já são dezessete e trinta e se você não sabe se locomover na cidade. Lembro-me das crônicas do Ferreira Gullar relatando a sua chegada ao Rio de Janeiro, vindo de São Luiz, pobre e sem informação, indo compartilhar um quarto de pensão com um desconhecido. Ou de um outro amigo dizendo que morava num quartinho com tantas goteiras que, quando chovia punha o colchão em pé encostado na parede para dormir. Porque vemos nossos filhos sempre como crianças, pensamos que não sobrevirão ao duro teste de sair de casa. Indefesas e despreparadas como pensamos que são, receamos que quando não estamos por perto, nossas crias vão sofrer mais. E nos iludimos pensando que, onipotentes, poderíamos lhes amenizar os dissabores desse mundo cruel. Nos recusamos a constatar que, arrogantes e impertinentes, nós sim, estamos despreparados para soltar-lhes as asas. E penamos na certeza de que irão sofrer mais longe nós. Na verdade não podemos suportar a idéia de que, talvez, nossos filhos possam viver melhor sem nós. Nem sequer cogitamos tal hipótese, apesar de sabermos que nós mesmos nos tornamos pessoas melhores quando saímos de casa. É duro reconhecer que o que denominamos cuidado e zelo pode ser, por vezes invasão e interferência indevida. E que precisamos deixar em torno deles espaço para um mínimo de experimentação e ousadia, sem os quais até mesmo nós, os mais velhos, nos sentimos sufocados . E não consideramos a possibilidade de vivenciar novos medos sozinhos não os transferindo para nossas crias. Mas eles se vão e, somente à força nos convencemos que somos meros coadjuvantes na sua história e que, quando o nosso personagem sair de cena, o filme não vai parar. O mais difícil é constatar que provavelmente não voltam mais. Apesar de haver quem diga que nada é para sempre, a síndrome do ninho vazio não tem retorno.